segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma história do copyright, por Rick Falkvinge - parte 7


Fonte: A Rede

Esta é a sétima e última parte da história do copyright escrita por Rick Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata…

Abaixo, os links para as anteriores:



Parte 7 - Sequestrado pela Pfizer

Este é o capítulo final de minha série sobre a história do monopólio do copyright. O período de 1960 a 2010 foi marcado por duas coisas: 1. a introdução do tema do monopólio comercial do copyright, pelos proprietários de marcas, no domínio privado, não-comercial (é ilegal fazer fitas cassete e este tipo de besteira) e, a partir daí, a ameaça dos monopólios a direitos humanos fundamentais, como o direito ao anonimato e 2. a expansão corporativa e política do monopólio do copyright e de outros monopólios. O item 1 é bem conhecido de todos, então vou me concentrar no item 2.

Quando a competição dos japoneses, ao fabricar os carros Toyota, ameaçou a indústria norte-americana, deixando claro para os governantes que os Estados Unidos não seriam mais capazes de manter sua supremacia econômica produzindo qualquer coisa industrialmente válida ou viável, foram formados muitos grupos de trabalho para tentar responder a uma questão crucial: como os EUA vão manter sua hegemonia
global se (ou quando) não estiverem produzindo algo competitivamente valioso?

A resposta veio de uma direção surpreendente: da Pfizer.
O presidente da Pfizer, Edmund Pratt, publicou um artigo furioso na edição de 9 de julho de 1982 do New York Times, intitulado “Roubando da mente”, em que falava sobre como os países do terceiro mundo estavam roubando a empresa. (Ele chamava de roubo o fato desses países estarem produzindo remédios a partir de suas próprias matérias-primas, em suas próprias fábricas, usando seu próprio conhecimento, para atender, no prazo de que necessitavam, seu próprio povo e impedir que morressem pessoas por conta de doenças horríveis para as quais já havia cura.).

Muitos formuladores de políticas vislumbraram uma resposta no raciocínio de Pratt e da Pfizer, e o convidaram para participar de um grupo de trabalho subordinado diretamente ao presidente da República. O comitê era o mágico ACTN (na sigla em inglês): Comitê de Consultoria em Negociações Comerciais, ou Advisory Committee on Trade Negotiations.

O que o ACTN recomendou, sob a liderança da Pfizer, era tão ousado e provocativo que ninguém sabia ao certo se deveria ser tentado: os Estados Unidos iam tentar atrelar suas negociações comerciais à sua política externa. Qualquer país que não assinasse acordos desequilibrados de "livre comércio" receberia uma miríade de classificações negativas, a mais importante delas sendo o “Relatório Especial 301”. Este relatório enumera os países que não respeitam o copyright de maneira suficiente. A maior parte da população mundial está nesta lista, inclusive a população do Canadá.

Assim, a solução para o fato de não produzir qualquer coisa valiosa em termos de comércio internacional foi redefinir "produzir", "qualquer coisa" e "valiosa" em um contexto político internacional, e fazer isso por meio de intimidação. Funcionou. O projeto de blueprints (propriedade intelectual) da ACTN foi colocado em prática pelo Departamento de Comércio Exterior norte-americano, que usou intimidação unilateral para fazer com que governos de outros países adotassem uma legislação que favorecia a indústria norte-americana, acordos bilateriais de "livre comércio" que tinham o mesmo efeito e acordos multilaterais que criaram, em todo o mundo, uma barreira de proteção aos interesses norte-americanos.

Desta forma, os Estados Unidos criaram um intercâmbio de valores, em que só se pode fabricar determinados produtos depois de pagar pela sua propriedade intelectual. Isso seria considerado como um tratamento justo no âmbito do "livre comércio", que redefiniu esses valores artificialmente. Toda a indústria de monopólios dos EUA se colocou sob o esquema da propriedade intelectual: a indústria de copyright, a indústria de patentes, todas elas. Procuraram fóruns para legitimar o plano e contataram a Organização Mundial da Propriedade Intelectual -- tentando repetir o sequestro realizado pelas gravadoras em 1961 – para obter legitimidade e acolhida de um novo Tratado de Comércio que viria a ser divulgado com o nome de “Berna Plus”.

Neste ponto se tornou politicamente necessário, para os EUA, aderir à Convenção de Berna, por razões de credibilidade, porque a OMPI é a agência que fiscaliza o cumprimento desta convenção. A OMPI, no entanto, percebeu qual era a intenção dos negociadores norte-americanos e de certa maneira os expulsou porta afora. A OMPI não foi criada para dar a nenhum país nenhum tipo de vantagem sobre o resto do mundo. Seus funcionários ficaram indignados com a tentativa descarada de sequestro levada à frente pelos monopólios de copyright e de patentes.

Então, outro fórum era necessário. A indústria monopolista dos EUA abordou o GATT — sigla em inglês para o Tratado Geral de Tarifas e Comércio, ou General Agreement on Tariffs and Trade — e conseguiu estabelecer ali sua influência. Um enorme processo de negociação foi iniciado, no qual metade dos países participantes do GATT foi enganado, coagido ou intimidado a aderir a um novo tratado, um tratado que iria contornar a Convenção de Berna e fortalecer consideravelmente a indústria norte-americana, ao redefinir o significado de "produzir", "produto" e "valor". Esse acordo se chama TRIPs.

Ao ratificar o TRIPs, o GATT foi rebatizado como Organização Mundial do Comércio (OMC ou WTO, World Trade Organization). Os 52 países signatários do GATT que decidiram ficar na OMC se acharam, logo, em uma posição na qual seria economicamente impossível não aderir ao TRIPs e seus termos colonialistas. Somente um dos 129 países originais do GATT não se filiou novamente.

O TRIPs vem sendo atacado porque foi elaborado para enriquecer ainda mais os países ricos em detrimento dos pobres, que, quando não podem pagar pela propriedade intelectual com recursos financeiros, pagam em riqueza e, algumas vezes, com as vidas de seus cidadãos. Ele proíbe países de terceiro mundo de fabricar remédios e vacinas em suas fábricas, com suas matérias-primas e seu conhecimento, para seu próprio povo. Depois de várias quase-rebeliões, algumas concessões foram criadas, dentro do TRIPS, para permitir a fabricação de produtos farmacêuticos. Mas talvez a mais eloquente história sobre como os monopólios artificiais são importantes para a hegemonia dos Estados Unidos tenha ocorrido quando a Rússia pediu para entrar na OMC (por razões incompreensíveis). Para aceitar a adesão da Rússia, os Estados Unidos exigiram que a loja de músicas AllofMP3 fosse fechada. Essa loja vendia cópias de arquivos MP3 e era classificada como uma rádio na Rússia, pagando suas licenças e considerada totalmente legal naquele país.

Agora vamos voltar atrás, para entender o que ocorreu. Tratava-se dos EUA e da Rússia em uma mesa de negociação. Ex-inimigos que mantinham um ao outro sob a alça de mira de armas nucleares 24 horas por dia, sete dias por semana. Os Estados Unidos poderiam ter exigido e recebido qualquer coisa. Qualquer coisa. Então, o que os Estados Unidos exigiram? Que a Rússia fechasse uma lojinha de músicas em MP3. Aí você pode entender quanto isso significa para esses monopólios.

Para concluir: compartilhar arquivos não é somente uma questão privada. É uma questão de hegemonia econômica global, sempre foi. Vamos continuar compartilhando, para dar às pessoas um poder que hoje é dos monopólios. Ensinar a todos a compartilhar cultura, e as pessoas vão sair vitoriosas contra o cerceamento de liberdades, assim como aconteceu o começo dessa série, quando as pessoas aprenderam a ler e derrubaram o poder da Igreja Católica.

(Depois, as indústrias do copyright e das patentes tentaram repetir o TRIPS com a criação do ACTA, que eles chamam agora de “Trips Plus”. Isso ainda não acabou, a última palavra ainda não foi dita.)

Isso conclui a história do monopólio do copyright até 2011. Vamos tentar fazer com que, daqui a dez anos, quando escrevermos um novo capítulo, sejamos mais livres do que nunca para publicar, compartilhar e espalhar informações.

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