quinta-feira, 17 de março de 2011

Uma história do copyright, por Rick Falkvinge - parte 5


Fonte: A Rede

Rick Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata, começou a publicar em 1o. de fevereiro, em seu blog, uma série de sete capítulos chamada História do Copyright. "Nesta série de sete capítulos, vou escrever sobre a história do copyright desde 1350 até nossos dias. Essa história, nos livros de história, é muito diferente do que normalmente ouvimos por parte da indústria de copyright hoje", explica ele. Vamos fazer a tradução livre e publicar a série. Esta é a quinta parte.

Parte 5: Direitos morais

No final dos anos 1800, o fortalecido monopólio do copyright dos editores havia reduzido a possibilidade dos autores serem remunerados pelo seu trabalho de forma independente. Todo o dinheiro, praticamente, ia para as mãos dos editores e distribuidores, e os autores ficaram à míngua, por conta do monopólio do copyright. (Como hoje).

Foi um francês chamado Victor Hugo quem tomou a iniciativa de criar condições menos desiguais dentro do monopólio do copyright, incorporando a ele uma tradição francesa conhecida como "direito de autor" (droit d’auteur). Ele também quis tornar o monopólio do copyright válido internacionalmente. Até então, só havia monopólios nacionais. Um escritor francês podia vender seu monopólio a uma editora francesa, e a editora teria monopólio dentro da França, mas não na Alemanha ou na Inglaterra.

Hugo queria mudar isso. Contraditoriamente, os monopólios de patentes e de copyright foram esquecidos quando as leis de livre mercado foram promulgadas na Europa, em meados do século 19. Até hoje a lei de patentes usa a "prevenção contra a concorrência desleal" como uma justificativa para sua existência, que é remanescente da época em que as guildas (associações de profissões) determinavam produtos, artesãos e preços; se alguém tenta criar concorrência em algum segmento de mercado, hoje, é perseguido e levado aos tribunais. O monopólio de copyright é um remanescente semelhante, da liga de livreiros de Londres.

Victor Hugo tentou criar um contrapeso ao imenso poder das editoras, dando aos autores alguns direitos mesmo sob o monopólio do copyright e com isso, infelizmente, empobrecendo ainda mais o público. (É importante sempre lembrar que há três partes em disputa nos conflitos de copyright: autores/criadores, editoras/estúdios/gravadoras e o público. Ironicamente, o interesse público era a única parte legítima quando o sistema de monopólio foi criado.)

Victor Hugo não sobreviveu para ver os frutos de sua iniciativa, mas a Convenção de Berna foi assinada em 1886. A convenção determinava que os copyrights de um país deveriam ser respeitados pelos demais, e foi criada uma agência, a BIRPI, para fiscalizar isso. Essa agência cresceu, se transmutou e se tranformou na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que zela até hoje pelo cumprimento da Convenção de Berna. A OMPI, por sua vez, também cresceu, se transmutou e foi sequestrada duas vezes. (Falaremos mais sobre isso no próximo capítulo da série).

Então, até este ponto, são quatro as principais características do monopólio do copyright, com mais diferenças que semelhanças entre elas:

Um, o monopólio comercial sobre a impressão ou a gravação (fixação em um suporte, como livro, disco, filme) de um trabalho. Esse é o monopólio original dado à Associação de Livreiros de Londres, que era só quem podia imprimir livros, em contrapartida a aceitarem a censura real sobre os livros que poderiam ser impressos.

Dois, o monopólio comercial das apresentações de um trabalho. Se alguém apresenta (canta, projeta, encena) um trabalho em público, com finalidade comercial, o detentor do monopólio pode lhe cobrar por isso.

Três, o direito moral de reconhecimento do criador. O direito de um autor ou artista ser reconhecido como criador de uma obra, uma proteção contra a falsificação ou o plágio.

Quatro, o direito moral de vetar uma apresentação imprópria de seu trabalho. Se um criador achar que determinada apresentação deprecia seu trabalho, tem o direito de impedir que ela venha a público.

A natureza dos direitos morais é bem diferente da natureza dos monopólios comerciais, no sentido de que não podem ser transferidos ou vendidos. E isso os coloca bem longe do argumento que convenceu o Parlamento inglês a reestabelecer o monopólio do copyright em 1709 (Veja o capítulo 3, O monopólio morre - e ressucita).

Também é importante observar que frequentemente esses quatro aspectos são misturados e embaraçados, para defender o mais controverso e danoso entre os monopólios, o monopólio comercial sobre a impressão ou gravação (fixação) de uma obra (e sua posterior cópia). Você vai ouvir, muitas vezes, as pessoas que defendem a indústria do copyright perguntando “você acharia bom se alguém se apropriasse de um trabalho seu e dissesse que ele é o autor?”. Isso está, no entanto, fora de disputa, claramente definido na terceira parte, o direito moral de atribuição e de crédito, que não pode ser usado, sem má fé, para defender nenhum dos dois monopólios comerciais.

Os Estados Unidos eram contrários aos direitos morais, falando nisso. Eles não assinaram a Convenção de Berna até o momento em que se deram conta de que poderiam usá-la para se fortalecer em uma disputa contra a Toyota, cem anos depois.
Vamos falar disso na sétima e última parte da série.


Próxima: As gravadoras sequestram o monopólio do copyright

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